Em Agosto deste ano passei três dias na Ilha de S. Miguel, Açores. Muitas eram as coisas que levava indicadas no meu bloco de notas para visitar. Um desses pontos, era as estufas de ananases em Fajã de Baixo, mesmo junto à cidade de Ponta Delgada.
Cheguei a Fajã de Baixo depois da tentativa aventurosa de ir visitar a Lagoa do Fogo. A sinalética está bem colocada e foi fácil encontrar as famosas estufas.
As estufas podem ser visitadas livremente, dentro do horário de funcionamento. Depois de dar uma volta. Tirar fotografias e ir percebendo as variações de temperatura de estufa para estufa, fiquei com vontade de saber mais. Esta visita estava a saber a pouco. As minhas expectativas em relação à produção do ananás micaelense eram mais elevadas. Mas eis senão quando, chega ao recinto uma visita guiada. Um conjunto de emigrantes portugueses nos EUA e outros turistas acompanhados por um guia. Assim como quem não quer nada fui me juntando ao grupo. E ainda bem que o fiz, porque aprendi muito mais. No local não há informação sobre o processo de produção deste famoso ananás, ou pelo menos eu não a encontrei.
O guia era daquelas pessoas com que se apetece ficar a conversar a tarde toda. Um pessoa cheia de estórias e de sabedoria sobre os Açores e o cultivo do ananás.
Sobre a introdução e evolução do cultivo do ananás, o Eng.º Ponte Tavares
escreveu assim:
«A introdução da planta do ananás na Região Açores teve lugar na primeira década do século XIX. A variante aqui introduzida, a Smooth-Cayenne, era originária da América Central e do Sul.
A sua primeira utilização foi como planta ornamental, e cultivada em vasos em estufas de pequena dimensão.
A sua real projecção só chega quando se origina a regressão da cultura da laranja, fruto de uma doença que começou a afectar estas culturas. Foi então, pela mão de José Bensaúde e de Manuel Botelho de Gusmão que tem início uma fase experimental da cultura do ananás, que anos mais tarde assumiu o título de Rei dos Frutos.
Foi na profunda experimentação da cultura da planta que, graças a Manuel Botelho de Gusmão, se revelou um nova forma económica em termos produtivos nos Açores. Carecendo de ser cultivado em estufas, face ao clima diferente do da sua origem, o desenvolvimento (em termos comerciais) teve o seu início por volta do ano de 1864, depois de boas experiências com ananases enviados para Londres. E foi rápida a exportação para o exterior. Dez anos apenas passados da exportação atrás referida, a Região havia exportado, em 1874, qualquer coisa como 17 mil toneladas. Um ano mais tarde, em 1875, existiam três estufas a produzir, com capacidade para as 40.000 plantas.
Perante a 1ª Grande Guerra, a cultura do ananás sofreu o primeiro abalo na sua comercialização, voltando à normalidade alguns anos mais tarde. Aliás, entre o período de anos que decorreu entre a 1ª e a 2ª Grandes Guerras, a cultura do fruto atingiu excelentes resultados.
Foi no eclodir da 2ª Guerra Mundial que se registou uma das piores crises na produção da fruta. Nos dois anos posteriores ao fim da Guerra conseguiu-se retomar a exportação para Londres, mas pelo caminho haviam ficado vários produtores que, sem capacidade de suportar os custos inerentes à crise provocada pela guerra, deixariam cair a sua actividade. A debilidade económica de Londres levou os produtores a encontrarem novos destinos para acolherem o fruto. Surgem como hipóteses países como a Bélgica, a França, a Alemanha, a Suíça, a Holanda, a Itália, Estados Unidos da América, Portugal Continental e a própria Região Autónoma da Madeira. (...)»
A produção do ananás micaelense é feita em estufas de madeira e vidro. Na Primavera as estufas são caiadas de branco de modo a impedir a entrada dos raios solares, pois o ananás necessita de calor, mas não da força directa do sol.
O solo da estufa é também tratado. Antigamente, segundo o guia, era preparado com a chamada "lenha de estufa". Na preparação do solo, entra a leiva, lenha, terras de anteriores culturas, aparas de madeira, etc.
Outra particularidade no cultivo deste ananás é o recurso ao fumo. É colocado, ao final do dia, na estufa, um recipiente de lata com vários furos, que ajuda o fumo a sair. Nessa lata faz-se uma fogueira com restos de, por exemplo, folha de bananeira, entre outro tipo de matéria orgânica que ajuda a fazer muito fumo. O fumo fica na estufa durante toda a noite. Só pela amanhã se abrem as portas para arejar a estufa. Este processo repete-se durante 8 meses e permite que as plantas floresçam ao mesmo tempo.
Cada uma destas flores vai dar lugar a uma escama da casca do ananás. Pelo que se sabe esta técnica foi descoberta por acaso. Um dia, um cigarro mal colocado, de um grupo de trabalhadores, levou ao acender de um pequeno incêndio que encheu de fumo as estufas. O que parecia ser uma desgraça para o proprietário com a consequente morte das plantas, afinal revelou-se o contrário.
Um ananás demora, sensivelmente, dois anos a produzir. É obra , não é?
No final da visita, tive a oportunidade de provar um maravilhoso licor de ananás, à venda na loja que dá apoio às estufas.
P.S.: Vale a pena visitar o
The Azores Islands para se conhecer um pouco mais do que aqui foi dito.