Quando comecei a fazer a receita, achei que me fazia lembrar um livro. Quando me sentei à mesa e comecei a comer, tive a certeza que a salada de mozzarella, tomate, morangos e manjericão do livro
Around My French Table de
Dorie Greenspan me fazia lembrar o romance de
Anthony Capella que lera recentemente.
Receitas de Amor de
Anthony Capella é um livro fresco, leve, próprio para dias quentes, descontraídos. Não sei se foi o queijo mozzarella, o manjericão ou a própria salada em si, com os morangos e o tomate, numa combinação fora do comum que me fez lembrar o livro.
Muito resumidamente, Laura é uma jovem estudante americana que vai para Itália e decide que só sairá com homens que saibam distinguir o molho
béarnise do
béchamel, portanto, alguém que saiba cozinhar. Tommaso, um jovem italiano, interessante, bonito, que se faz passar por chef, conquista as atenções de Laura. Como Tommaso não sabe cozinhar, coloca o seu amigo Bruno, que é realmente um chef - trabalha no famoso
Templi do conceituado Alain Dufrais - a preparar deliciosas refeições para Laura. Nisto, Bruno apaixona-se por Laura. E nem tudo corre como era suposto! É sempre assim, não é?
O que me agradou no livro, para além da história a lembrar
Cyrano de Bergerac, foi a sensualidade, a magia da cozinha italiana. Tão rica! Apaixonada. Envolvente.
Os vários capítulos, organizados em secções como se fossem uma refeição italiana,
antipasto,
primi,
secondo,
insalata e
dolci, estão cheios de referência à comida e à cultura italiana. O primeiro capítulo, fala-nos dos
cornetti e do
ristretti: «Um
ristretto é feito com a mesma quantidade de café moído que um expresso normal mas com metade da água (...). O que saía do bico (...) quase não era um líquido, mas um fio castanho-avermelhado com o aspecto do mel a gotejar da ponta de uma faca de manteiga, com um creme de cor castanha e um travo doce e oleoso que dispensava o açúcar (...)». Para além disso refere que qualquer italiano sabe que tomar café sentado dificulta a digestão (sabiam?) e que não passaria pela cabeça de um italiano servir
cappuccino depois das 10 da manhã. Em Itália é muito comum pedir
latte macchiato.
Quando Tommaso decide abordar Laura, dá-lhe uma lebre de leite e diz-lhe para fazer
sugo di lepre em vez da massa que ela estava a pensar cozinhar. Em relação às massas é referido que: «(...) se não quiser comer
spaghetti, podemos comer
bucatoni ou
fetucine, ou
pappardelle ou
tagliolini ou
rigatoni ou
linguine ou
garganelli ou
tornnarelli ou
fusilli ou
conchiglie ou
vermicelli ou
maccheroni, mas (...) cada um deles exige um molho diferente. Por exemplo, um molho oleoso liga bem com massa seca mas um molho de manteiga liga melhor com a massa fresca.
Fusilli - As pessoas dizem que foi inventada por Leonardo da Vinci. As aletas em espiral absorvem mais molho do que a superfície plana (...)».
Segundo o romance, existem três tipos de restaurantes em Roma. «Há as
tratorie e
osterie locais que, na sua maioria, só servem cozinha romana. É uma tradição fortemente enraizada nos ingredientes disponíveis nos mercados e matadouros em que não se desperdiça uma única parte do animal. Desde as orelhas à cauda existe uma receita própria e indicada para tudo, transmitida de geração em geração. Depois existe a
cucina creativa, a cozinha que parte dessa tradição e faz experiências com ela. Muitos romanos comuns continuam profundamente desconfiados da experimentação para não falar dos elevados preços que a acompanham, acreditando firmemente que quanto mais se gasta menos se come. E, em terceiro lugar, há a
cucina gourmet - a estranha colisão entre as cozinhas francesa e italiana (...)».
Numa das conversas entre Bruno e Tommaso, Bruno explica-lhe que «o marisco tem propriedades afrodisíacas. Os moluscos também ... como caracóis ao alho. Talvez algumas alcachofras bebés cozinhadas com hortelã-pimenta, abertas com os dedos e embebidas em manteiga derretida. E vinho, evidentemente. E depois para terminar, uma injecção de açúcar, qualquer coisa leve, mas artificial para encher de energia e felicidade (...). Se quiseres que uma pessoa se apaixone por ti, cozinhas uma refeição muito diferente, absolutamente simples mas intensa. Qualquer coisa que revele a tua compreensão da alma dela».
Bruno vai confecionar deliciosas e apaixonadas receitas para Laura. Numa dessas confecções refere que «a pasta caseira nunca se prepara sobre mármore; a frieza deste enrijece a massa e impede a decomposição dos glútens». Eu não fazia ideia. Agora que ando com vontade de voltar a fazer mais massa fresca é bom saber, que o mármore não é uma boa opção. :)
Receitas de Amor é um livro de conquista pela comida, uma comédia romântica, com imensas referências gastronómicas e no final, até são dadas algumas das receitas apresentadas no romance. Achei apenas um pouco exagerado as descrições sexuais dos encontros amorosos de Laura com Tommaso.
Vamos então à
salada de mozzarella com tomate, morangos e manjericão:
Ingredientes:
2 queijos
mozzarella
16 morangos
16 tomates
cherry ou mini tomate chucha
pimenta rosa
flor de sal
folhas de manjericão frescas
azeite extra-virgem
vinagre de framboesa
1. Cortar os queijos em três fatias cada. Distribuí-las por dois ou três pratos.
2. Cortar os morangos e o tomate ao meio.
3. Distribuir os morangos e o tomate pelos pratos.
4. Polvilhar o queijo com um pouco de pimenta rosa ligeiramente desfeita com os dedos.
5. Polvilhar a mistura de tomate e morangos com flor de sal e as folhas de manjericão cortadas.
6. Regar com azeite e um pouco de vinagre de framboesa a gosto.
A salada soube muito bem. A combinação queijo, morangos e tomate, que me parecia inicialmente fora do comum, resultou na perfeição. Achei que o tomate e o morango fazem uma deliciosa junção.
Às vezes questiono-me. Faz-nos falta um romance que faça a exaltação da cozinha portuguesa, não acham? Quais os (bons) romances portugueses em que a cozinha aparece?
Boas leituras e bons cozinhados!