Sábado, 16 de Junho de 2012. O céu azul lá no alto empurrou as nuvens e deixou o sol brilhar. Eu, saí de Lisboa, ao início da manhã, com um sorriso nos olhos. O tempo estava mesmo propício a um fim-de-semana cheio de mimos e coisas boas no Penha Longa, Hotel Spa & Golf Resort.
Situado perto da vila de Sintra, o hotel é abraçado por uma cintura de verde. Para onde quer que se olhe, a nossa visão encontra o verde dos pinheiros, das oliveiras, dos eucaliptos, dos sobreiros e dos choupos. O verde escuro, intenso, forte da floresta, contrasta com o tom de verde claro do campo de golfe, dando-nos uma imagem de beleza comparada à dos quadros de Cézanne.
Um dos motivos que me levou ao Penha Longa foi o convite para participar num workshop e conhecer a nova carta do restaurante Arola, do conhecido chef Sergi Arola, discípulo de Ferra Adrià, agora com o chef Bruno Neves a comandar a cozinha.
O restaurante decorado em tons de branco, cheio de luz, com espaços informais, sofás com almofadas, música ambiente, tem uma vista privilegiada para o campo de golfe. Todo o espaço nos transmite uma enorme sensação de tranquilidade. Em dias de bom tempo, a opção é escolher uma mesa na esplanada.
A nossa refeição começou com um aperitivo já tradicional na casa, pão torrado com tomate, alho e azeite. Não sei se é da nossa ligação com a cozinha do mediterrâneo, mas este entretém de boca é sempre maravilhoso. Começamos por esfregar um alho cortado ao meio no pão, de seguida tomate e por fim regamos com azeite e quem preferir, pode polvilhar com sal. Que maravilha. Faça chuva ou vento, este é um dos amuse-bouche que a mim me sabe sempre bem.
A seguir como entradas provámos sardinhas marinadas com tomate e nem as espinhas sobraram para contar como estava bom. Depois das sardinhas seguiu-se uma salada de caranguejo com tomate, ovo e cebolinho picado, acompanhada com umas tostas finas de pão. Uma das entradas que me deixou a sonhar com mais foi a da beringela. Simplesmente magnífica. Beringela fumada, depois cozida e servida com pinhões, redução de vinagre balsâmico e cebolinho picado. Que sabor bom! Notavam-se umas ligeiras notas a fumado e depois, no final, a dar textura, os pinhões, que enriqueceram esta beringela como um colar de pérolas no pescoço de uma mulher.
Ainda nas entradas provámos lascas de lombo ibérico com maçã, pistácio, malagueta verde e queijo parmesão ralado. Adorei o toque picante da malagueta neste carpaccio, finalizado com a textura do pistácio. De seguida atacámos os calamares que foram servidos cortados em tiras finas, passadas por um polme e fritas, acompanhadas com molho aioli, óptimo para partilhar com amigos. Esta entrada vive da textura crocante e do molho. Outra entrada que nos encantou foi as batatas bravas com tomate picante e molho aioli no topo. Magníficas, para além de terem um aspecto muito simpático, são muito saborosas. O picante deixa-as bravas e nós adorámos.
Mas a entrada que nos deixou completamente rendidos, a sonhar por mais, foi o polvo à la brasa. Pedaços de polvo, tenros, com pimento de piquillo, batata, aioli de pimento, crocante de presunto e decorado com folhas de salsa desidratadas, crocantes. Um prato visualmente muito bonito e que nos conquistou pela deliciosa mistura de sabores.
As entradas foram acompanhadas por um vinho branco Lagoalva de Cima Reserva de 2011.
Já satisfeitos e prontos para ir dormir a sesta à beira da piscina, eis que nos chega à mesa um prato com um delicioso ar a verão, muito fresco, que nos levou a não querer sair da mesa. Bacalhau fresco com gnocchi de azeitona e uma macedónia de tomate e pepino. É notório que o bacalhau se sente um verdadeiro rei no prato, especialmente enaltecido pela frescura da combinação do tomate com o pepino e pelo molho, o verdadeiro segredo deste prato. Caros leitores, este molho vale uma ida ao restaurante Arola. É rico, aromático e deixa-nos a boca a saltar de contentamento com um ligeiro toque picante no final. Ajuda a acentuar a frescura do prato. Nesta altura apeteceu-me chamar o chef Bruno Neves e dar-lhe os parabéns!
O prato de carne foi leitão, confitado, preparado por camadas e cozinhado a baixa temperatura. Foi servido com espargos, maçã e esferificação de manga. O leitão tenro e saboroso combinou bem com a mistura crocante de maçã e espargos, que acrescentaram ao prato notas frescas. O prato de carne foi acompanhado com um vinho tinto Quinta do Cachão 2008, com um sabor a fruta estruturado, muito bom.
Na hora das sobremesas chegou-nos à mesa iogurte cremoso com doce de frutos vermelhos, crumble e gelado de coco assim como uma copa catalana com creme de bolacha, gelado de laranja, crumble, creme de limão e finalizado com açúcar mascavado ligeiramente queimado. Ainda hoje não consigo dizer qual delas era a melhor. Quem sabe se não encontro aqui um pretexto para justificar, ao Ricardo, uma nova ida ao Arola! Quando passarem por lá, para não ficarem na dúvida como eu, o melhor será escolherem as duas e dividir. Depois digam-me se tenho ou não razão.
Como dois amigos que se sentam à mesa e conversam, foi assim que decorreu a pequena entrevista que fiz ao chef Bruno Neves, a quem agradeço desde já a disponibilidade.
1. Quem é o chef Bruno Neves?
Tenho 33 anos, trabalho há cerca de 14 anos em cozinha. No princípio, começou como um hobby, depois trabalhos no verão para ganhar uns trocos. Depois quis seguir uma carreira completamente diferente daquela que acabei por seguir. Como não havia dinheiro para ir para a faculdade acabei por seguir este caminho. O bichinho começou a crescer, a crescer, e finalmente tomei o gosto pela cozinha. Tive a sorte de encontrar chefs que apostaram em mim. Que me incentivaram a aprender ainda mais como o chef Fasto Airoli, os chefs da Escola de Hotelaria de Lisboa, o chef Manuel Gabriel e o chef António Henriques. Depois como sou uma pessoa ambiciosa, não consigo estar parado. Gosto das coisas. Interesso-me. E esse interesse levou-me a evoluir ainda mais. Trabalhar com chefs bons. Na Bica do Sapato, no Eleven, no Four Seasons, em Angola também - estive lá cerca de sete, oito meses - e finalmente no Arola, antecedida de uma semana de formação intensiva no Arola de Barcelona.
2. Como é que foi a sua experiência em Angola?
Foi uma experiência diferente, não digo que seja má nem boa. Há quem goste e há quem não goste, mas aprende-se sempre qualquer coisa. No meu caso, aprendi, não em termos técnicos mas nas relações interpessoais. Ali a cultura é completamente diferente da nossa. Um ritmo mais calmo, não se pode ser tão exigente em termos técnicos. Enfim, o mais importante foi a gestão das pessoas. Muitos produtos vinham de Portugal mas de vez em quando haviam algumas dificuldades. O avião vem não vem. Atrasa-se. Os produtos não chegam.
3. E como tem sido a sua experiência no Arola?
É um conceito de cozinha diferente. Já implementado pelo chef Sergi Arola. Aqui o conceito que existe e que o chef Arola implementou com muito sucesso é baseado numa ideia informal: As pessoas podem partilhar e falarem à vontade sobre a comida. Uma relação informal com a comida. Nada de muitas formalidades. Repare que o restaurante tem mesas redondas e vários sofás com almofadas. Para ajudar a relaxar, para comer com tempo. Queremos que as pessoas venham cá pelo prazer da comida, pelo prazer do convívio. Queremos que o cliente fique satisfeito, se sinta bem recebido e que volte. Isso é o fundamental. Com a minha entrada e uma coisa que eu gosto bastante é usar ingredientes portugueses, não digo receituário mas comida ao gosto português. O conceito pode ser o do chef Arola com coisas que são imagem de marca como por exemplo, as Batatas Bravas, mas há liberdade para criar e colocar na ementa e é desta maneira que tento pôr o meu cunho pessoal.
4. E qual é o seu contributo pessoal? O que é que pode acrescentar?
Primeiro que tudo temos que nos adaptar ao sítio onde estamos. Procuro manter o conceito, apostar em produtos de boa qualidade. Prefiro ter menos quantidade e mais qualidade. Com uma carta muito grande acaba-se por perder em qualidade. Aposto em produtos portugueses como o borrego, o leitão, o bacalhau, o robalo ... receitas ao gosto que eu já conhecia ou receituário típico depois dando-lhe um pequeno "twist", uma pequena reviravolta adaptando-as ao conceito do chef Sergi Arola.
5. O que é cozinhar para si?
Há vezes em que é uma obrigação! (risos) Não gosto muito de cozinhar para mim. Gosto de cozinhar para os outros. Quando é para mim não sou exigente, é só uma forma de me alimentar. Gosto muito de cozinhar para os amigos e para os clientes do restaurante.
6. Como é que determina a apresentação visual de um prato?
Não é automático. Muitas das vezes só chego ao empratamento final depois de várias tentativas. Os pratos têm que ter uma estrutura. A carne em baixo, os legumes em cima. Compro vários livros de culinária para arranjar inspiração. É importante ir vendo e experimentando. Outra coisa que é importante é quando levamos os sabores à boca, eles têm que conjugar. Normalmente a proteína tem que estar sempre um pouco afastada da guarnição, para distinguir bem. Molhos sempre colocados não pela carne ou peixe todo, mas de maneira a mostrar estes últimos com alguma subtileza.
7. Reparei que a equipa é jovem. Como é que gerir a cozinha com esta equipa?
Para já tento encaminhá-la. Um chef é tão bom quanto a sua equipa. Não posso bloquear as ideias das pessoas. Tento sempre ouvir a sua opinião. Quando estou a desenvolver novos pratos peço ideias e sugestões de maneira a que eles se sintam envolvidos e motivados. Todos os elementos da equipa não estão cá só para confeccionar, estão também para contribuir com a sua opinião para a elaboração da carta. As pessoas sentido-se envolvidas trabalham ainda mais e melhor. Pessoas que trabalham dez a doze horas juntas, se fizerem sempre as mesmas coisas todos os dias perdem a motivação. É muito complicado. Nas horas críticas funciona como a tropa. Mas nos outros momentos tento criar o melhor ambiente possível e dar uma certa liberdade de actuação às pessoas.
8. E nós em Portugal, temos o melhor peixe do mundo?
Concordo plenamente. Há peixe que em Portugal usamos que mais ninguém no mundo sabe utilizar. Algo que deveríamos dar mais valor. Recentemente vi uma reportagem na TV em que o peixe português é utilizado em restaurantes em várias partes do mundo. E cá, muitas vezes acabamos por não o valorizar tanto. Como a cavala, a sardinha, o salmonete ... apesar de constatar que recentemente tem havido um esforço para os promover. Há muita gente que tem a ideia que sardinhas, só grelhadas! Mas não. Se o produto for bem tratado é uma mais valia. Por outro lado, mais vale uma sardinha bem grelhada do que um foie gras. Gosto muito de uma boa sardinha grelhada! (risos)
9. Vou provar a nova carta de verão. Em termos gerais o que é que caracteriza a nova carta?
Acho que é uma carta sazonal e com produtos frescos. Estamos na época do verão e aproveitando o ambiente que rodeia aqui o Arola, muito verde e fresco que caracteriza aqui o Penha Longa. Um carta muito fresca e muito leve. Temos um bacalhau fresco com água de tomate, leitão, maçã ...
10. Já está a trabalhar na próxima carta?
Sim, já comecei. À medida da disponibilidade, vou trabalhando aos poucos. Pesquiso em livros e sítios da Internet. Falo com outros chefs. Entre colegas aqui no Penha Longa. Os cozinheiros são como os ciganos, conhecem-se todos uns aos outros. (risos) Vou também a feiras e a eventos como o Mercado do Peixe, a Alimentária, o Peixe em Lisboa entre outros. Vou vendo o que os meus colegas de profissão andam a utilizar. É assim que funciona. Sempre a ver com a sazonalidade. Numa carta de inverno não vou colocar morangos, apesar de agora haver todo o ano. (risos) Comer um morango no verão e no inverno são coisas completamente diferentes. E depois tento fazer coisas que eu gosto, recorrendo sempre aos contributos da minha equipa.
11. O seu sonho é ... ?
Todo o chef tem o sonho de um dia abrir o seu próprio restaurante. Também sou realista e sei que é muito, muito difícil. Mas não é impossível. Ter um restaurante implica um investimento de valor monetário muito elevado, em equipamentos, pessoal e produtos. É complicado. Por enquanto o meu objectivo é continuar a trabalhar em grande cadeias de hotéis que nos suportam. São a nossa almofada até em termos de evolução. Por exemplo, aqui no Penha Longa tenho liberdade para criar, para comprar, para experimentar. Se fosse um restaurante meu, possivelmente não poderia correr tantos riscos. Mas como sou novo, tenho ainda muita coisa para aprender. Quero continuar a evoluir através de pequenos passos consistentes.
Muito obrigada.