A viagem de avião tinha sido longa e apetecia-lhe preparar uma refeição leve para o almoço. No dia anterior o Pedro, com quem tinha começado a partilhar a vida, tinha ido às compras e por isso deveria ter por onde escolher. Abriu a porta branca do frigorífico e os seus olhos arregalaram-se de espanto.
Rúcula fresca, um molho de agrião, ovos, mirtilos, framboesas, cerejas, morangos, tomate, tudo com um aspecto fresco e apetitoso. Os legumes separados das frutas. Organizado em caixas, numa outra prateleira, abóbora manteiga assada em fatias e arroz integral cozido, prontos a usar. Nada de embalagens abertas, restos disto e daquilo que acabam por ficar esquecidos, passar o prazo e irem para o lixo. Os iogurtes sólidos meticulosamente arrumados ao lado dos líquidos. Os queijos colocados uns ao lado dos outros. O fatiado para as sandes do dia-a-dia, colocado num recipiente próprio. Tirou para o almoço as caixas com a abóbora assada e o arroz. Olhou para a prateleira dos legumes e agarrou a rúcula e as folhas verdes, viçosas, do agrião. Por fim, escolheu quatro ovos.
O resto da cozinha seguia o princípio de organização do frigorífico. Nem parecia a cozinha que tinha deixado no dia anterior de manhã. As garrafas de azeite organizadas por classificação, virgem, virgem extra e não virgem, os aromatizados com malaguetas, alecrim e pimentas, separados dos restantes. Os vinagres arrumados, os frascos transparentes de arroz com a respectiva etiqueta, as massas separadas por tipo, as farinhas colocadas em recipientes tapados e as leguminosas, feijões, grão e lentilhas, numa única prateleira. Havia uma caixa de madeira para as especiarias. Junto à janela, vasos com ervas frescas, tomilho, alecrim, cebolinho e manjericão, as suas preferidas.
Começou a cortar a abóbora em cubos para uma taça. Juntou o arroz cozido e as folhas verdes. Tostou uma mão cheia de sementes de abóbora. Escalfou os ovos em água com um pouco de vinagre. O segredo dos ovos escalfados é a sua frescura e estes estavam perfeitos. Quando decidiu mudar-se para o apartamento do Pedro sabia que não ia ser fácil conviver com o seu impulso obsessivo pela arrumação. Tudo tinha um lugar. E esse lugar não eram dois centímetros ao lado. A chávena de café tem que ser sempre servida com um pires, porque ... porque sim, é esse o sentido do Universo! O comando da televisão depois de usado é sempre religiosamente colocado no mesmo sítio.
Gostava de tudo o que aquele homem lhe trazia para a sua vida. Os momentos divertidos, o pensamento positivo sobre as coisas, as viagens, a partilha de conhecimentos. Se o preço a pagar seria começar a ver o mundo com Ordem, que fosse! Não deveria ser difícil manter o frigorífico imaculadamente limpo!?