O Coronel vinha pelo menos uma vez por semana a Lisboa nos primeiros anos de reforma. Mas agora, sentia que a idade já pesava. Sair, deslocar-se, tudo lhe fazia confusão. Se saía, estava sempre pronto para regressar a casa. Começava numa inquietação desenfreada. E porque já era tarde e porque já se estavam a demorar e assim por diante. Regressar era sinónimo de tranquilidade. Paz. Gostava de estar no mundo que conhecia, que sentia como dele e que ilusoriamente dominava. Na sua cabeça, aí, nada de mal lhe podia acontecer. Em casa ficava bem.
Quando era novo, isso sim, não saía de Lisboa. Nos primeiros tempos de quartel chegou a ter um quatro alugado num prédio azulejado de três andares na rua dos Bacalhoeiros, por indicação de uma sua tia, devota de Santo António e presença assídua nas missas da Sé.
Aproveitava, na altura, todas as folgas para viver a cidade. Passear na Baixa. Contemplar o Tejo. Ver a chegada e partida dos barcos. Sentir a luz de Lisboa. Fazer compras na rua do Ouro, subir ao Largo do Carmo pelo elevador de Santa Justa. Quantas noitadas passou com o José Barrote, o Eduardo Canelas e o Manuel Salgueiro, este último que iria, anos mais tarde, tristemente morrer ao seu lado noutra parte do mundo. Amigos das jantaradas na tasca do Genuíno Pereira, ao Bairro Alto.
A tasca de balcão alto com tampo de mármore, não tinha mais do que cinco mesas para comensais. As prateleiras e todos os espaços que podiam ser preenchidos ostentavam garrafas de aguardente, vinho do Porto, licor Beirão, emblemas do Benfica e do Sporting, cartazes de touradas no Campo Pequeno e bem visível, um Zé Povinho com o seu característico gesto. Assim que se entrava o cheiro ligeiramente azedo a vinho fermentado misturava-se com os aromas dos tremoços cozidos, dos amendoins servidos com casca e dos fritos feitos na cozinha.
Depois de se sentarem, Genuíno colocava na mesa um jarro de vinho tinto do Cartaxo e um pires com azeitonas pretas galegas temperadas com alho picado miudinho e azeite, que acompanhadas com pão fresco e estaladiço sabiam a mel. Era Genuíno quem as curava com ervas e casca de laranja. Depois vinha o melhor. Uma travessa de bacalhau à Brás salpicado com as galegas bem pretinhas e salsa. Magnífico. As mãos de Maria Pequena, a cozinheira da casa e mulher de Genuíno, eram de louvar e faziam milagres na cozinha. Era impressionante, nunca se lembra de ali comer um prato mal feito. A meio do bacalhau já era preciso reforçar os copos. "Ó Genuíno, não te esqueças do vinho!", gritavam muitas vezes em uníssono para o balcão, sempre bem dispostos. Genuíno, homem de poucas falas, com um pano dobrado ao ombro e a caneta na orelha lá respondia que sim com a cabeça.
Ao lembrar-se destes momentos da sua vida, o Coronel sentiu uma saudade imensa de comer um bacalhau à Brás. Será que Rosa acederia ao seu pedido?
Bacalhau à Brás
Ingredientes:
500g de bacalhau demolhado (3 postas)
650g de batatas
1dl de azeite
3 cebolas
4 dentes de alho
10 ovos
sal e pimenta
salsa picada
azeitonas pretas
óleo para fritar
1. Limpar o bacalhau de peles e espinhas. Desfiá-lo com as mãos.
2. Descascar as batatas. Cortá-las em fatias finas e depois em pequenos palitos. À medida que se vão cortando, colocam-se em água.
3. Colocar o óleo numa frigideira e levar ao lume. Secar as batatas cortadas em palha num pano antes de colocar a fritar. À medida que se tiram da frigideira, deixar a escorrer sobre papel absorvente para ficarem sequinhas.
4. Colocar o azeite num tacho juntamente com o alho picado e as cebolas cortadas em meias-luas ou às rodelas. Deixar cozinhar até a cebola quebrar.
5. Adicionar o bacalhau desfiado. Mexer e deixar cozinhar uns minutos.
6. Juntar a batata-palha frita. Envolver.
7. Bater os ovos. Temperar com sal e pimenta a gosto.
8. Com o lume baixo, juntar os ovos ao preparado anterior. Mexer até estarem cozinhados, mas sem ficarem secos.
9. Servir o bacalhau salpicado com azeitonas pretas e salsa picada.
Este bacalhau fica maravilhosamente delicioso. Quem quiser fazer uma versão mais rápida poderá optar por batata-palha já frita, de compra. Fica bom, mas não é a mesma coisa!
Esta história faz parte de uma viagem gastronómica por Lisboa onde se inclui:
- Pastéis de nata e os sabores de Lisboa.