Cheguei à Fortaleza do Guincho num final de tarde de uma terça-feira de Janeiro. O vento inquietava as ondas e ao longe, o sol escondia-se no horizonte. Dentro de mim, fervilhavam emoções. Ia ser recebida na cozinha de um grande chef, galardoado com uma estrela Michelin, e isso deixava-me particularmente feliz.
Há chefs que nos cativam pelo seu bom ou mau feitio, outros pela originalidade de ingredientes, outros ainda pelas combinações inesperadas. E depois há outros chefs que nos conquistam pela sua cozinha, pelo carinho e rigor técnico que colocam no que fazem. No modo apaixonado com que falam da comida e dos ingredientes. É aqui que se encontra, para mim, o chef Vincent Farges do restaurante da Fortaleza do Guincho.
Ir para a cozinha do Chef Vincent descobrir alguns dos segredos dos seus pratos fez-me lembrar a série de televisão Kitchen Secrets do chef francês Raymond Blanc. Só que desta vez, a explicação seria só para mim.
Nas duas vezes que estive na Fortaleza do Guincho tive a possibilidade de degustar um prato que me deixou muito boas memórias. Tantas que pedi ao chef Vincent para me desvendar os segredos que tornam este prato tão irresistível. Portanto, a primeira explicação foi como se confecciona sapateira perfumada com yuzu, fina geleia e pequenos legumes marinados com casca de limão.
A primeira coisa que aprendi foi a preparar a gelatina de yuzu. Yuzu é um citrino japonês que se assemelha a um limão, com um perfume e sabores incríveis. Nunca vi à venda e pelo que sei, muitos dos citrinos que chegam à cozinha de Vincent vêm de um produtor no Alentejo, que possui mais de duzentas variedades. Para preparar a gelatina, começou por fazer um xarope com água e açúcar. De seguida dissolveu a gelatina e acrescentou um pouco de sumo de yuzu. Depois de cozer uns minutos, mas sem deixar ferver, retirou do lume e adicionou o restante sumo. Depois segue para o frio. Percebi que é importante usar grande parte do sumo sem passar pelo lume, pois é aqui que vai residir todo o sabor autêntico do fruto.
De seguida, passámos para a sapateira. Juntou a carne da sapateira desfiada com um pouco de creme de lima. Para fazer o creme aqueceu um pouco de natas, juntou gelatina e raspa de lima. Envolveu muito bem e deixou arrefecer em gelo. Assim que o creme atingiu uma boa consistência juntou à sapateira, mexeu e colocou o preparado em película aderente. Formou um rolo e levou ao frio.
No empratamento, a gelatina que envolve o rolo de sapateira é feita a partir de um consomé das pinças e restante carcaça da sapateira, com legumes e ágar-ágar. Depois do consommé feito é colocado num prato e vai ao frio. Assim que solidifica é cortada em rectângulos com medidas precisas para depois combinar com as dimensões do rolo de sapateira.
Mas este prato vive também de uns mini legumes crocantes que lhe dão vida e colorido. Os legumes usados na cozinha da Fortaleza do Guincho vêm da Quinta do Poial. Estes mini legumes são marinados com cascas de limão e tomilho durante dois dias. Os rabanetes para ficarem bem vermelhinhos, são marinados à parte e levam mais sumo de limão.
Antes de empratar, achei curioso o Vincent limpar o prato com gin e ao ver a minha expressão, explicou-me que quando os pratos estão frios é assim o procedimento e quando quentes é com vinagre. No empratamento, começou por colocar a gelatina de yuzu triturada no prato, com uma rapidez e agilidade fazendo parecer tudo fácil. De seguida colocou os rolos de sapateira. Por cima dos rolos colocou os rectângulos de gelatina que prendeu com um pouco de yuzu. Aqui percebi que não se deve tocar muito com os dedos na gelatina, para que esta não perca o brilho. De seguida dispôs os legumes marinados e bolinhas de mamão com raspa de lima. Decorou com flores, acabadas de apanhar e uma pitada de flor de sal. Uma verdadeira obra de arte!
Um dos segredos do chef que adorei descobrir é que congela os citrinos inteiros, apenas enrolados em papel de cozinha. Depois é só retirar e ralar a casca. Que perfume bom! Parece que foram apanhados na altura. Cá em casa, vou experimentar proceder desta maneira.
O segundo prato confeccionado, foi vieiras salteadas com cereais, cremoso de cepes e maçã verde, lascas de foie gras, capuchinos e azedas selvagens. Este é um prato que reflecte a passagem de Vincent por Marrocos, onde esteve quatro anos a trabalhar. Um dos segredos da alta cozinha é apresentar pratos que nos parecem fáceis, mas que na realidade exigem muitos e diversos passos até ao resultado final.
Neste prato, o chef começou por explicar como se faz a granola. Junta flocos de aveia ligeiramente tostados, trigo sarraceno frito para ficar crocante, sementes de abóbora, de girassol e pinhões tostados. Depois numa taça juntou hamlou, que é uma massa feita com cereais, mel, canela, amêndoas, caju, entre outros ingredientes, olho de argão e maltosec. Mexeu até fazer uma areia. Por fim, juntou à mistura de cereais.
O foie gras é envolvido num pano com cognac e depois é coberto com sal. Fica dia e meio com sal. Depois é enrolado primeiro em película aderente, depois em folha de alumínio e vai ao congelador. Na altura de servir, retira-se e fazem-se lascas muito finas, que são servidas com flor de sal. O creme de cogumelos é feito com caldo de galinha, cogumelos em pó e uma infusão de cogumelos secos.
Neste prato um dos elementos que me chamou a atenção foi a maçã, pela cor verde, intensa. Para ficar assim coloca-se a maçã em vácuo com ácido ascórbico e sumo de maçã. E os pedaços de maçã absorvem este líquido e ficam lindos. Quando se come, nota-se que estão cheios de sumo.
Em relação ao empratamento, Vincent começou por colocar a granola, o cremoso de cogumelos, a maçã, rodelas de daikon em vinagre, o foie gras, as vieiras e as flores. Por fim raspa de limequat. A par das explicações que ia ouvindo, fui também tendo o privilégio de provar, para perceber a combinação de sabores. Na cozinha do chef Vincent Farges nunca faltam os citrinos. Limequat, foi mais uma variedade de que nunca tinha ouvido falar, mas tem um cheirinho e aroma fabulosos.
Cada prato é pensado cuidadosamente, desde os ingredientes e as texturas. Até a disposição dos vários elementos no prato é colocada tendo em conta o modo como vamos comer, com o objectivo de se aproveitar ao máximo as potencialidades de cada combinação. Não é só uma dádiva para o palato, é também uma festa para os nossos olhos que inevitavelmente se deslumbram com a beleza de cada prato.
Não sei se conseguem imaginar a alegria com que estive na cozinha da Fortaleza do Guincho. Vivi este momento como algo muito especial e único. Aprendi muito e tive a possibilidade de observar de perto o grande chef que é Vincent Farges.
Para descobrirem melhor os segredos da cozinha do chef Vincent, convido-vos a passar pela Fortaleza do Guincho.
5 comentários :
Gostei muito!
Em primeiro porque o Chef para além de ter muito talento é muito giro! :P eehehhe
Gostei muito dos empratamentos.
Beijinhos;
Aurea Sá
cette cuisine "vaut le détour"
sans aucun doute
Olá
Isto é arte!
Excelente!
Cps
Beta
estou encatada
beijinhos
Isabel, que pratos mais lindos, até dá pena de comer de tão mimosos :)
um beijinho,
Margarida
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